Come in! You may stay with me!

É um prazer enorme ter alguém compartilhando do que penso e escrevo, como se estivesse, realmente, num "divan". A propósito, esta é a foto do divã usado por Freud, em seu trabalho de psicanálise. Ao deitar-se, sem se distrair com a presença visível do analista, o analisando tem uma experiência emocional diferente, concentrando-se muito mais profundamente.


Quem me seguir, me fará companhia! E é sempre bom ter alguém por perto...

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sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

O Último Natal da Grande Família



Faço parte de uma grande família, já que minha mãe teve muitos irmãos que, como ela, se casaram e tiveram filhos e, assim por diante, a família não para de crescer até hoje. O fato é que todos nós, que pertencemos à mesma geração, temos idades semelhantes, próximas uma das outras, como se fosse uma escadinha. Desse modo, fomos todos crianças na mesma época e o nosso Natal era comemorado em casa de nossos avós, os meus avós maternos. Era uma comemoração muito linda, muito farta, que reunia toda a família e, principalmente, todas as crianças. Havia um belo presépio e isso não sai da minha memória. É claro que deveria haver, também, uma enorme árvore de Natal, mas desta eu não me recordo. Todo ano, meu padrinho que, casado com minha tia e madrinha de batismo, jamais tivera um filho era o encarregado de ser o nosso Papai Noel. Era a pessoa perfeita porque, sem filhos, não haveria quem sentisse, por todo tempo, a sua falta. Ele trabalhava como mecânico de aviões e havia sempre a desculpa de seu atraso para chegar à festa. Alguma necessidade o prendera até mais tarde no trabalho... Sim, porque quando ele chegava ia se trocar e se transformar naquele bondoso velhinho, de barbas brancas, todo vestido de vermelho e que trazia um imenso saco, também de um tecido vermelho, cheio dos brinquedos que, previamente, lhe pedíamos e que os nossos pais tratavam de providenciar. Ganhávamos mais do que o que imaginávamos, já que todos os familiares que quisessem nos agraciar com um mimo iriam fazê-lo, por intermédio do Papai Noel. E foi assim, durante muitos anos. Nossas mães nos aconselhavam a nos deitar e “tirar uma soneca”, do contrário, se ficássemos à espreita, o Papai Noel não entraria, pois surpreender-nos fazia parte de seu trabalho. A casa de meus avós tinha todos os cômodos muito amplos, bem diversos dos de hoje em dia! Então, deitávamos em um dos quartos e, embora a ansiedade não nos deixasse dormir, ficávamos quietos por ali mesmo, enquanto meu padrinho chegava e se preparava para desempenhar sua função anual. Estávamos sempre reunidos num só cômodo, quando ouvíamos um sininho tocando e os adultos já comentando que Papai Noel acabara de chegar. Então, nós nos acomodávamos todos na confortável sala de jantar e aguardávamos, enquanto Papai Noel ia chamando, um por um, pelo nome e fazendo a distribuição dos diversos presentes. Havia quem se assustasse e chorasse, tendo que se aproximar no colo do pai, ou da mãe; havia quem tentasse “puxar conversa” com o nosso bondoso velhinho; havia também aqueles que só olhavam surpresos para o seu rosto, interrompendo somente cada vez que seu nome era chamado para apanhar seus presentes. Uma vez que todos eles estivessem distribuídos, ele se despedia enfaticamente, enquanto éramos incentivados por nossos pais a agradecer-lhe e a jogar beijinhos, etc. E lá ia ele, bem tranquilo pela porta, já que nós estávamos muito ocupados em desembrulhar cada presente e brincar muito com todos eles.
Mas houve um ano em que meu padrinho se atrasou verdadeiramente, não chegando na hora esperada. Minha madrinha sofria de um câncer, numa época em que se começava a falar dessa doença. Havia se submetido a uma cirurgia e, ainda em recuperação, estava deitada em um dos quartos. Não sei bem em que ocasião, com que idade, tomamos conhecimento do acontecido mas, soubemos depois que ela, preocupada em não nos frustrar, crianças que éramos todos, resolveu que ela mesma seria o Papai Noel daquele ano. É claro que sua compleição em nada lembrava a do meu padrinho que era bem forte, mas não sei como arranjaram que não me lembro de tê-la estranhado... Ao contrário, lembro-me bem que falei qualquer coisa com ela. Tudo foi feito como de costume: sua chegada, a distribuição dos presentes e sua despedida. Mais tarde, em algum momento, meu padrinho chegou e ficou no quarto, dando-lhe atenção. Houve, na verdade, uma sombra de tristeza e preocupação que perpassava pelos rostos e olhares dos mais velhos. Mas temo que nenhuma de nós, crianças, tenha dado muita importância, uma vez que só pensávamos em receber todos os brinquedos das mãos enluvadas daquele velhinho.
Em meados de dezembro do ano seguinte, falecia minha madrinha e nunca mais se comemorou o Natal em casa de meus avós. Aquele Natal em que ela, mesmo em recuperação e com toda certeza sentindo muitas dores, se dispôs como sempre o fazia a se colocar em segundo plano, para que nossa alegria fosse a mesma de todos os anos, aquele foi o último Natal de nossa grande família!

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