Podem até chamar de saudosismo, nostalgia,
afirmar que velha estou ficando,
mas sinto enorme vazio de poesia
nas músicas de hoje em dia.
A segunda metade da década de 60
foi marcada por vários acontecimentos
de grande importância política e social.
E a mais intensa forma de expressão
foi a da poesia, mais ainda a musical.
Cantava-se muito e, com as canções,
muito se dizia e muito se aprendia.
Os Festivais da Canção vieram com força
e só acrescentaram à nossa cultura.
A cada ano, era como se os compositores
mais se esmerassem, mais caprichassem,
na tentativa de alcançar o primeiro lugar.
Mas... que primeiro lugar?
O do júri? Ou o do público?
O povo por tensões passava
e as músicas, sem dúvida, eram a sua compensação.
Quem não se lembra de que Chico
estava à toa na vida, até que seu amor o chamou
pra ver a banda passar, cantando coisas de amor?
Mas ao saber que sua Banda alcançara o 1º lugar,
foi, em prantos, ao júri suplicar
que o fizesse empatar
com a composição que ficara em 2º lugar.
“A Disparada”, de Geraldo Vandré,
que comparava a vida do gado
com a vida que a gente levava
foi, pelo próprio Chico, melhor considerada.
E assim se deu um empate,
o único dos Festivais.
Quem não se lembra de “Ponteio”,
“Roda Viva” e de “Alegria, Alegria”, de Caetano?
E Elis, cantando “Arrastão”, enquanto balançava os braços,
num movimento de subida e descida,
quem não se lembra?
E de Sérgio Ricardo, perdendo o autocontrole
e arremessando seu violão por sobre a platéia?
Apesar disso, ali estava a cultura,
uma cultura popular que se estendia pelo país
para ser popular brasileira.
Nascia uma nova safra
de compositores e intérpretes
que não se importava tanto
com o momento político que vivíamos,
mas com o surgimento de uma nova geração
e de um momento ímpar na nossa canção,
o da “música popular brasileira”,
com um estilo próprio que, indo além do regional,
fazia sucesso em toda nação!
E faziam mesmo grande sucesso
as canções dos Festivais!
O de 67, também televisado,
foi parar no Guinness Book,
pelo Ibope alcançado e,
dizem, nunca mais superado...
“Sabiá”, “Travessia”, “Andança”,
“Margarida”, “Carolina” e “Luciana”,
“O Sonho”, “Feira Moderna”, “Cantador”,
“Casa no Campo”, “Universo no Teu Corpo”
e “O Amor é o meu País”, de Ivan Lins,
são algumas das inúmeras músicas
que se fizeram conhecer
apenas por participar
dos nossos Festivais!
Em 66, os Beatles se apresentavam juntos,
pela última vez!
Ainda em 66, um Marechal foi eleito
Presidente do Brasil, pelo Congresso Nacional.
Em 68, o Congresso Nacional foi fechado,
depois de publicado o que se tornaria mais famoso
que os festivais: o AI 5 – Ato Institucional nº 5,
quando alguns compositores desta safra
tiveram que buscar o exílio.
Também em 68, o Cirurgião Zerbini e sua equipe
realizavam, em São Paulo,
o primeiro transplante cardíaco da América Latina!
E os Festivais sobreviviam, tornaram-se Internacionais,
durante a década de 70.
E nós continuávamos com a nossa música e o seu crescimento:
Tropicalismo, MPB, Bossa Nova e Jovem Guarda.
Tudo tão melhor do que um Rock in Rio!
Tudo tão nacional, no exato período em que disso precisávamos!
Eu lamento pelos que não conheceram esta época da nossa música,
até porque, muitos de vocês, ainda estavam por chegar aqui.
Mas eu... eu estava lá, todo tempo
e é por isso que sinto tanta falta!
Hoje, vejo determinadas classes sociais
cantando só músicas internacionais,
para evitar o funk, axé, pagode e sertanejo
que, não tendo caído no gosto nacional,
podem ser considerados ainda regionais.
Sem mencionar a falta de poesia,
o que tanto existia na época dos Festivais!