Come in! You may stay with me!

É um prazer enorme ter alguém compartilhando do que penso e escrevo, como se estivesse, realmente, num "divan". A propósito, esta é a foto do divã usado por Freud, em seu trabalho de psicanálise. Ao deitar-se, sem se distrair com a presença visível do analista, o analisando tem uma experiência emocional diferente, concentrando-se muito mais profundamente.


Quem me seguir, me fará companhia! E é sempre bom ter alguém por perto...

Obrigada! Venha sempre que quiser. Ainda estou começando...

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Minha Mãe


No texto sobre Maternidade, mencionei minha mãe e o fato dela ter se mudado para a minha casa, quando minha única filha nasceu, comentando que isto seria uma outra história. Mas, na verdade, minha mãe é um capítulo à parte em minha vida. Começando pela real admiração que sempre senti por ela. Uma jovem, que nos anos 40, trabalhava fora, no centro da cidade! Isso é um pioneirismo no que se refere ao trabalho feminino! E lá estava ela, trabalhando como secretária de um jornal da época e, depois, numa Companhia de Seguros. Estudou datilografia e tinha noções de Inglês para a função que desempenhava. Sempre muito inteligente, porque lia jornal de uma ponta à outra, era capaz de conversar sobre qualquer assunto. Infelizmente, não soube usar de sua inteligência na escolha de um marido e se casou com meu pai. Ele não era menos inteligente e formou-se em Ciências Contábeis, mas era extremamente nervoso e absolutamente ciumento. Primeira coisa que fez ( e ela aceitou!!), foi proibi-la de trabalhar fora. Para mim, seu grande primeiro erro. Minha mãe nunca foi de se queixar, mas assim que tive capacidade de observar e registrar fatos, eu soube que ela não era feliz e que eles eram ambos, totalmente incompatíveis entre si. Mas, naquele tempo, o casamento, principalmente o religioso, era para ser levado até que a morte realmente os separasse. Cresci, participando de sua, digamos, pouca felicidade. Ele tinha uma grande qualidade: gostava e se entrosava muito com a família de minha mãe. Participava de todas as festas, estava sempre visitando minha avó, se dava bem com todos os cunhados e cunhadas, enfim, ele e ela juntos, em tudo que se realizasse na família. Posso até mesmo afirmar que ele gostava mais da família de minha mãe do que de sua própria, com quem vivia se desentendendo. Mas, seu ciúme era doentio e, por isso, via coisas que não existiam e fazia outras inacreditáveis. Antes d’eu nascer, ele saía para trabalhar e minha mãe ficava em casa, como doméstica. Ele deixava o trinco do portão de um determinado jeito e era daquele jeito que ele deveria encontrá-lo, ao voltar para casa. Ora, quantos desentendimentos e questionamentos, até que minha mãe chegasse à conclusão de que ele tinha esse hábito. E todas as vezes que o lixeiro precisou abrir o portão, para apanhar a lata de lixo? Sim, porque naquele tempo tudo era muito diferente. Eles moravam em casa e era assim que os lixeiros faziam: eles entravam, apanhavam a lata e as entornava em seus carrinhos de lixo, recolocando a lata vazia em seu lugar. Quando saíamos, ele cismava que algum outro homem estava olhando para minha mãe, ao que ela estaria correspondendo, e lá se ia embora o passeio, a distração, a alegria. Minha mãe soube esconder de todos muito bem, mas eu era testemunha ocular e sofria com tudo isso. Como pai, ele era austero, autoritário, gritava muito comigo, não me fazia nenhum tipo de carinho, nada de abraços e beijos, como eu via meus tios tratarem minhas primas. Eu até estranhava, quando via as fotos do tempo em que eu era pequenina e ele estava sempre comigo no colo. Bem, eu sei que de um jeito muito próprio, ele me queria bem e se orgulhava de mim. Lembro-me, também, de quando ele ia me buscar num bairro próximo ao que nós morávamos, só pra que eu não andasse muito tempo, no ônibus escolar. Eu ficava toda feliz e caminhávamos, de mãos dadas, até a nossa casa. Quando minha mãe engravidou, minha tia caçula, irmã mais nova de minha mãe, foi para a nossa casa para ajudá-la e se tornou muito amiga da outra tia caçula, irmã mais nova de meu pai, que morava bem juntinho à nossa casa. Quando nasci, essas tias cuidavam mais de mim do que minha própria mãe. Mas foi só enquanto eu era muito bebê. Depois, minha tia se foi e tudo voltou ao normal. Não me lembro de nenhuma queixa de minha mãe, se é que alguma vez ela se queixou. Eu a via sempre calada e de olhos baixos, enquanto meu pai tinha seus acessos. Ela nem sempre era a mesma pessoa e daí eu já sabia que ela estava triste. Não me lembro de uma mãe alegre, em nossa casa, mas tocava piano e gostava muito de músicas clássicas. O que sei, aprendi com ela! Cresci tendo nela uma grande amiga. Quando eu estava já estagiando, como Professora, ela era capaz de pegar uma condução e ir até a escola Normal para levar almoço pra mim. Eu iria direto da Escola para o estágio e ela não se conformaria se eu ficasse sem me alimentar. Quando eu comecei a “dupla regência”, ou seja, eu tinha uma carga horária como Professora Primária e faria, logo em seguida, outra carga horária como Professor de Ensino Médio, pois já estava terminando a Faculdade de Letras. Nessa época, ela acordava cedo, junto comigo e, enquanto eu me aprontava, ela fazia uma enorme salada de frutas, com creme de leite e colocava num pote de vidro que eu levava para a Escola Municipal e, lá, deixava na geladeira para saborear entre os dois horários. Esse tipo de mãe é o que ela sempre foi! Éramos amigas e saíamos juntas para comprar roupas, sapatos, etc, logo que comecei a ter o meu próprio salário. Detalhe: sempre segui suas orientações. Por exemplo, não era minha intenção ser Professora Primária, mas sim de Ensino Médio, lecionando Inglês. Mas ela me mostrou que o melhor caminho e aquele que me levaria a ter o meu salário, por menor que fosse, mais rapidamente e já como Servidora Pública, seria através da Escola Normal. E eu fiz o que ela me mostrou que seria o melhor para a minha carreira. Também queria fazer Direito e ela sugeriu que isso ficasse para mais tarde. Segui suas orientações e não me arrependo. Aos 19 anos, já era Servidora Pública.

Vou dar um salto em nossas vidas e chegar ao nascimento de minha filha, quando ela se mudou, verdadeiramente, para a minha casa. Bem, depois de ter morado onde a chuva me assustava, na casa que meu avô construiu para nós, só morei em apartamentos e em andares altos. Quando minha filha nasceu, era no 19º andar que eu morava! Bom, quando isto aconteceu, acredito que todos os familiares acharam que seria por um pequeno espaço de tempo, já que eu era só e trabalhava fora. Mas, quando falei em colocar minha filha em uma creche, minha mãe foi a primeira a se opor, dizendo que, enquanto ela tivesse uma avó com saúde, isso não seria necessário. Mamãe sempre foi extremamente cuidadosa com as coisas de minha filha. Esterilizávamos tudo que podíamos e ela, que também era vacinada, jamais teve uma doença como catapora, caxumba, ou similares. O fato é que o tempo foi passando, minha filha crescendo e minha mãe continuava conosco. Morávamos na Barra e eu tinha um pequeno apartamento no Recreio, onde meu pai resolveu se estabelecer, deixando fechado o seu, em Jacarepaguá. Desta forma, ele ficava bem perto de nós. Já estava aposentado e gostava de andar pra lá e pra cá, mas sempre perguntando quando é que minha mãe iria voltar. Quando viajávamos, e o fazíamos bastante, ele ia conosco. Mas para morarmos, sempre preferi a paz de estarmos eu, minha mãe e minha filha. Os familiares comentavam, não entendiam e me criticavam. Cheguei mesmo a ouvir de uma de minhas primas que “Imaginem só, se minha mãe deixaria meu pai, cada vez que uma de suas filhas tivesse um bebê!” e me perguntou se eu não seria capaz de criar, sozinha, a minha filha. Nem lembro o que respondi. Era tão claro o que estava acontecendo que só um cego, ou uma pessoa totalmente desligada da nossa realidade, não poderia enxergar as razões de minha mãe. Mas eu sim e ela ficaria, como ficou, até quando quisesse. Minha filha já estava com 7anos, eu havia deixado a Barra, passara pela Tijuca, quando meu “louro, lindo e de olhos azuis” foi morar conosco e já estava me acomodando no Grajaú, quando meu pai recebeu um diagnóstico que mudaria todas as nossas vidas. Ele que, há muito, vinha sofrendo de osteofitose na coluna vertebral, ou seja, “bico-de-papagaio”, estava sendo vítima de compressão medular por essas calcificações ósseas e estava perdendo os seus movimentos. Eu cheguei a trazê-lo para ficar conosco, mas minha mãe achou que, num lugar menor e só os dois, o quadro seria melhor administrado. E foi quando ela me disse, finalmente: ”Estive vivendo com você todos esses anos e, só por isso, agora tenho saúde para cuidar de seu pai. Essa é minha obrigação aos olhos de Deus, pois com ele ainda sou casada.” E se foi, com meu pai, para aquele pequeno apartamento no Recreio,onde cuidou dele por 7 anos, em cima de uma cama, dando-lhe banho, trocando-lhe as fraldas e providenciando toda a assistência médica que fosse necessária. Ele não aceitava cuidados de uma enfermeira, por exemplo. Tinha que ser só minha mãe. Eu a ajudava, mas não tanto. À essa altura, eu tinha marido e filha para cuidar. Sei que lhe propiciei todo apoio, até convencê-lo a ir para um Hotel Geriátrico, em Santa Teresa, quando ela chegou a pesar 48 quilos, estava desidratada e com pneumonia. Antes disso, os familiares também deram muitas opiniões e me acuavam, no sentido de tirá-la de lá, mas quando eu lhe dizia: “Mãe, você não vê que não tem condições de continuar cuidando de meu pai?” Ela me respondia: ”Como? Pois se Deus vem me dando saúde, até agora, exatamente para poder cuidar dele?” Mas, em fevereiro de 2003, quando aquele era o seu diagnóstico por ter se esquecido de si mesma, para cuidar somente dele, ele concordou em ir para a Casa Geriátrica, “até que ela ficasse curada!” E ele sempre perguntava, mais tarde, quando ela pode começar a visitá-lo, quando é que eles iriam voltar para o apartamento do Recreio e se ela já estava em condições para isso. Infelizmente, ela não teria mesmo mais condições, pois estava sofrendo de uma osteoporose muito severa e poderia fazer uma fratura espontânea, na prática dos cuidados que lhe eram exigidos. Em novembro, daquele mesmo ano, ele fez uma parada cardiorrespiratória, sofrendo ainda por 16 dias numa UTI, antes de se desligar de nós. O fato é que ninguém procurou entender que minha mãe, católica, vivendo um casamento difícil e não podendo sair dele, se refugiou conosco e, alegando que eu precisava de sua ajuda para cuidar de minha filha, conseguiu “um tempo” que ela não teria conseguido jamais, para viver uma vida melhor ao nosso lado. E, quando ele se queixava de que ela o havia abandonado por todos aqueles anos, ela retrucava: “E foi só por causa desse tempo, que hoje estou aqui, com saúde, para cuidar de você!”

Pobre mãezinha querida! Hoje mora comigo, mas vem desenvolvendo uma Síndrome Senil, há 4 anos e já não é mais aquela mesma pessoa que, desde muito cedo, viveu comigo uma grande história de amizade, a maior que eu já havia visto, entre mãe e filha.

Um comentário:

  1. Diante desta revelação , minha admiração só fez aumentar por minha madrinha . Uma mulher dócil e religiosa, que só tenho boas lembranças e uma delas em minha infância era quando ia a casa do Méier e ela sempre me dava um queijo em bolinhas.

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